Imagina a seguinte situação: você e seu amigo são sócios um do outro, constituindo uma sociedade empresária devidamente registrada na Junta Comercial. Uma pessoa jurídica, portanto.
Precisando de dinheiro, a sociedade empresária pessoa jurídica toma um empréstimo bancário. Como garantia, o banco pede a vocês, sócios que compõem o quadro societário, que assinem o contrato na qualidade de fiadores.
Assim, a devedora passa a ser a pessoa jurídica, que, não pagando o débito, fará com que o banco possa cobrar também de você e seu sócio, fiadores que são. Aqui não vamos falar do benefício de ordem e sua renúncia, pois falaremos disso em outro momento.
Perceba que, por conta da fiança, o banco não precisará pedir desconsideração de personalidade jurídica da sociedade para cobrar o débito de você e seu sócio, pois a desconsideração tem como objetivo responsabilizar o patrimônio dos sócios pela dívida da pessoa jurídica, mas como os sócios já respondem pela dívida no nosso exemplo, por força da fiança, esse pedido de desconsideração não tem utilidade.
Mas, enquanto o contrato estava sendo pago, você se cansou da sociedade e quis deixar de ser sócio. Comunica sua saída, faz a correspondente alteração contratual e a registra na Junta Comercial.
Um belo dia, você recebe um oficial de justiça em casa, que te entrega um mandado de citação referente ao processo de cobrança (podendo ser uma execução extrajudicial) movido pelo banco contra a pessoa jurídica, você e seu ex-sócio.
Sim, depois de sua saída da sociedade, a coisa ficou ruim, e a sociedade não conseguiu pagar o empréstimo. Daí o banco processou a pessoa jurídica e os dois fiadores, no caso você e seu amigo.
E o banco fez certo. Você fez errado.
Ao sair da sociedade, além da alteração contratual, como explicado acima, você deveria mandar uma notificação extrajudicial ao banco dizendo que não queria ser mais fiador justamente por que não era mais sócio. Ou seja, você deveria ter pedido sua exoneração do contrato da fiança.
Você, ao ser fiador, o foi porque o banco precisava de uma garantia, e nada mais fácil de se conseguir isso do que pedindo aos sócios da sociedade que tomou o empréstimo para que fossem garantidores do pagamento, na qualidade de fiadores.
Ou seja, você não foi fiador porque era sócio, mas sim porque isso é mais fácil de conseguir no caso; e por isso, ao deixar de ser sócio, não quer dizer que você deixou se ser fiador automaticamente.
Entenda que o contrato de fiança é um contrato acessório ao contrato principal, no caso, o contrato de empréstimo bancário. E saiba que qualquer pessoa pode ser fiadora de uma outra pessoa, mesmo contra a vontade da pessoa afiançada!
Por isso que, nesse caso, sem ter feito o pedido de exoneração, você continua devendo, mesmo tendo saído da sociedade.
Para mais detalhes sobre como deve ser feita a notificação, quando e como deve ser ela feita e enviada e demais efeitos da fiança, entre em contato conosco e agenda uma consulta (presencial ou on line).
Vejamos abaixo um julgado do Superior Tribunal de Justiça sobre nosso caso:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE FIANÇA. 1. ALEGAÇÃO DE FIGURAÇÃO COMO MERA ANUENTE (OUTORGA UXÓRIA). SEM PREJUÍZO DA INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA A SER CONFERIDA À AVENÇA, A LITERALIDADE DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS, REPRODUZIDAS NO ARESTO ORA IMPUGNADO, NÃO CONFERE MARGEM DE DÚVIDA QUANTO À CONDIÇÃO DE FIADORA. INCIDÊNCIA DOS ENUNCIADOS NS. 5 E 7 DA SÚMULA DO STJ. 2. EXTINÇÃO DA FIANÇA EM VIRTUDE DE RETIRADA DE SÓCIO. NECESSIDADE DE PRÉVIA NOTIFICAÇÃO PARA VIABILIZAR A PRETENDIDA EXONERAÇÃO. PROVIDÊNCIA NÃO LEVADA A EFEITO. VERIFICAÇÃO. PRECEDENTES. ENUNCIADO N. 83 DA SÚMULA DO STJ. APLICAÇÃO. 3. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
- Como bem ponderado pelo Tribunal de origem, sem descurar da interpretação restritiva a ser conferida aos contratos de fiança, os termos contratuais são claros quanto à responsabilidade assumida pela recorrente na condição de fiadora, inexistindo qualquer vício quanto às regras de valoração de prova.
- De se reconhecer, por conseguinte, que a pretensão inserta no recurso especial, consistente no reconhecimento de sua condição de mera anuente, em contrariedade ao que concluiu o Tribunal de origem com esteio nos elementos fático-probatórios e na interpretação das cláusulas contratuais, encontra óbices nos enunciados ns. 5 e 7 da Súmula do STJ.
- Na esteira da jurisprudência pacífica do STJ sobre a questão, a retirada dos sócios-fiadores, per si, não induz à exoneração automática da fiança, impondo-se, além da comunicação da alteração do quadro societário, formulação de pedido de exoneração das garantias, circunstâncias, conforme assentado pela Corte local, não ocorrente na hipótese dos autos. Incidência, no ponto, do enunciado n. 83 da Súmula do STJ. Agravo interno improvido. (AgInt nos EDcl no AREsp 853.523/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 07/03/2017)