Devido a fatores sociológicos, econômicos e jurídicos que não cabem aqui serem citados, é comum no Brasil, infelizmente, a compra de imóveis por “simples contrato particular”.
Por “simples contrato particular” queremos dizer aquele contrato feito pelas próprias partes, muitas vezes utilizando-se de um modelo baixado na internet (péssima ideia), por exemplo. Vemos até mesmo contratos redigidos à mão, escrito à caneta (sim…).
Devido ao alto valor da negociação, esses contratos possuem uma promessa de compra e venda, passando-se a ter um “contrato de promessa de compra e venda”.
Ou seja: por ser o imóvel de valor alto, as partes combinam o pagamento parcelado do valor. Assim, o comprador promete comprar (pagar) o valor de tal forma e num tempo combinado (parcelado em 30 vezes, 20 vezes etc.) e o vendedor a transferir a propriedade quando receber a última parcela do valor combinado.
Geralmente, por meio desse contrato de promessa de compra e venda, o promitente comprador (aquele que prometeu pagar o valor parcelado e no tempo combinado) já passa a ter a posse do imóvel: aqui ele “entra” no imóvel, fazendo construções. Enfim…
Mas se tratando de imóvel de valor superior a 30 salários mínimos (artigo 108, do Código Civil), para que a sua propriedade (e não mera posse) seja transferida, tem-se que proceder à realização de escritura pública de compra e venda do imóvel. Esse documento é solene, quer dizer, cheio das formalidades, e somente pode ser feito pelo Tabelião de Notas, aquele servidor público titular do Cartório de Notas.
De posse dessa escritura pública de compra e venda definitiva, e definitiva porque a promessa de compra e venda foi cumprida com o valor total do imóvel pago, o comprador vai até o Cartório de Registro de Imóveis onde se encontra registrado o imóvel e pede para registrar a escritura pública. Agora sim, o comprador, antes mero promitente, passa ser o proprietário do imóvel, e terá expedida a certidão de matrícula de imóvel em seu nome. Lembra-se do tão falado “quem não registra não é dono” (artigo 1.245, do Código Civil)? É isso!
Mas tudo isso fica caro no Brasil, pois pagam-se emolumentos em ambos os cartórios; o imposto sobre transmissão de bens imóveis (ITBI) tem de ser pago desde a escritura pública; pagam-se ainda taxas para expedição de certidões, além do “sagrado” e necessário advogado, dentre outros (vamos escrever sobre esses valores em breve).
Mas o que acontece no dia-a-dia em muitos casos (e muitos mesmo)? O promitente comprador, que tem a posse, construiu sua casa no terreno, e que já pagou o contrato particular, “esquece” de finalizar a compra e venda. Fica só com o contrato particular e com a posse do imóvel.
O tempo passa, o promitente vendedor “desaparece”, e não se faz a escritura pública de compra e venda. E sem ela, como dizemos, não se consegue registrar a transferência da propriedade.
O caminho aqui agora é pedir usucapião do imóvel, com base no contrato de promessa de compra e venda, que passa ser visto como justo título, ou seja, como um dos documentos necessários e úteis para se reconhecer a posse do imóvel, posse essa que dará, de acordo com o tempo decorrido, o direito de usucapir o imóvel (direito de ter a sua propriedade…).
Então, se esse for seu caso, guarde com muito cuidado seu “simples contrato particular de promessa” e procure um bom escritório de advocacia para te ajudar a reunir outros documentos e propor a ação de usucapião ou utilizar do procedimento extrajudicial para tal fim (recomendado).
Veja abaixo um julgado do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DESERÇÃO. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. RENOVAÇÃO DO PEDIDO. DESNECESSIDADE. PROCESSUAL CIVIL. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA.
1. A assistência judiciária gratuita estende-se a todas as instâncias e a todos os atos do processo.
2. A renovação do pedido ou a comprovação de que a parte recorrente é beneficiária da justiça gratuita não é necessária quando da interposição do recurso especial.
3. Afasta-se a alegada violação do art. 535 do CPC quando o acórdão recorrido, integrado pelo julgado proferido nos embargos de declaração, dirime, de forma expressa, congruente e motivada, as questões suscitadas nas razões recursais.
4. O contrato de promessa de compra e venda constitui justo título apto a ensejar a aquisição da propriedade por usucapião.
5. A hipoteca firmada entre o antigo proprietário do imóvel e o agente financiador da obra não atinge o terceiro adquirente. Incidência da Súmula n. 308/STJ.
6. A execução da garantia pelo agente financeiro em desfavor apenas do proprietário do imóvel não interrompe a prescrição da ação de usucapião por não constituir resistência à posse de quem pleiteia a prescrição aquisitiva.
7. Agravo regimental parcialmente provido. (AgRg no AREsp 600.900/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/09/2015, DJe 08/09/2015)